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Em breve será cringe, falar cringe, diz biólogo

Em breve será cringe, falar cringe, diz biólogo

03/07/2021 às 09h16 Atualizada em 03/07/2021 às 12h16
Por: Redação
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Foto: Reprodução
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O biólogo Richard Dawkins disse que as ideias se propagam como vírus. As palavras novas também. Cringe é a pandemia da vez. Em inglês, cringe é verbo. Significa encolher-se, rebaixar-se ou adular servilmente alguém. Reapareceu como adjetivo. Uma pessoa, alguma coisa ou atitude podem ser chamadas de cringe se forem ultrapassadas, datadas, fora de moda. Só vale de uma geração mais nova para as mais velhas. Deve ficar um tempo em circulação, mas é de prever que em breve falar cringe será cringe e, então, sumirá.

Interessante a discussão obstinada que esse novo termo provocou. São tantos os neologismos colocados em circulação na língua franca universal criada pela internet que uma hora haveria uma reação. Em maio passado, a Academia Francesa, órgão do Ministério da Educação que tem poder normativo sobre o idioma, proibiu o uso dos pronomes de gênero neutros — todxs no lugar de todos ou todas. Do outro lado do Canal da Mancha, o jornal Financial Times lamentou não existir na Inglaterra uma autoridade linguística central como a Academia Francesa com força legítima para dar um basta nas experimentações.

Os ingleses lamentam o abuso consagrador de novas expressões, como gaslighting, uma forma de abuso psicológico continuado que leva uma pessoa a questionar sua própria sanidade mental, sua percepção da realidade ou mesmo a exatidão de suas memórias. A palavra othering é uma das que mais provocam reações negativas. É usada para se referir ao fenômeno em que alguns indivíduos ou grupos são rotulados como não adequados. São também gestos ou atitudes que sinalizam que “ele não é um de nós”. Muitos desses termos são usados no Brasil em inglês mesmo.

O ponto que interessa nessa questão — até porque ela não pode ser simplesmente relegada à categoria de modismo passageiro — é se o pessoal recorre a esses neologismos para aumentar a clareza do que lhes vai pela cabeça ou para escamotear intenções ou preconceitos. Se aumentam a clareza do idioma, essas inovações devem ser bem recebidas. Acho um exagero, mas seus críticos dizem que são formas brandas de “ardis semânticos”, como o escritor George Orwell definia os jargões politicamente insidiosos das tiranias, usados para disfarçar atos criminosos. Os nazistas diziam estar “realocando” judeus e outras minorias mandadas para seus campos de extermínio.

Aprender novas palavras e tornar outras mais belas é o ofício do poeta, como escreveu Carlos Drummond de Andrade. Esperemos que essa recente nuvem de inovações linguísticas trazidas pelas correntes digitais esteja ajudando os jovens a se comunicar com maior clareza. Não é o grau de ousadia da inovação ou a estranheza da inventividade que arruína uma gíria ou um jargão. O pessoal hoje está transformando verbos em adjetivos. Parte do gênio de William Shakespeare foi transformar substantivos em verbos — com jaula, ele criou enjaular; de covarde, ele derivou o verbo se acovardar. Dependendo da fonte, Shakespeare contribuiu com pouco menos de 400 a mais de 1.800 novas palavras para a língua inglesa.

Rechaçar de pronto as inovações linguísticas é arriscado. Sempre foi. Na menos conhecida de suas viagens, Gulliver, criação do satirista Jonathan Swift (1667-1745), aparece em Luggnagg, uma terra estranha em que alguns habitantes nunca morrem. São os struldbrugs. Eles não morrem, mas envelhecem. Nascer um bebê com o sinal da imortalidade, um pequeno ponto vermelho acima da sobrancelha esquerda, era motivo de apreensão para as famílias. Um imortal decrépito sofria e fazia sofrer. À medida que perdiam a audição e a visão, escapava-lhes o sentido das novas palavras, aumentando seu isolamento a ponto de seu idioma se tornar totalmente diferente do usado no cotidiano pela população. Swift quis criticar as tentativas mágicas da busca da imortalidade já em voga entre os poderosos de seu tempo, mas mostrou também que, sem idioma renovado, é vã a busca da juventude eterna enquanto dure.

 

Fonte: Jornal O Globo

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