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Em Salvador, ondas gigantes alagaram Cidade Baixa após terremoto de Lisboa, em 1755

Em Salvador, ondas gigantes alagaram Cidade Baixa após terremoto de Lisboa, em 1755

18/09/2021 às 08h44 Atualizada em 18/09/2021 às 11h44
Por: Redação
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Foto: Acervo Iphan
Foto: Acervo Iphan

Pesquisador fala em três episódios e que há registros de supostos tsunamis na Bahia.

O que parecia ser um tranquilo domingo transformou-se em uma catástrofe naquele 1º de novembro de 1755 em Lisboa, capital de Portugal. Terremotos de 8.5 a 9.0 na escala Richter devastaram a metrópole portuguesa, provocando, além de um tsunami, incêndios que serviram como um verdadeiro divisor de águas na história da cidade. O tremor foi tão grande que provocou um maremoto a 6,5 mil quilômetros dali, na segunda cidade mais importante do império português e principal cidade das Américas: Salvador. De acordo com o relato do arcebispo da cidade na época, Dom José Botelho de Mattos, era por volta das 15h quando ondas gigantes entraram na Baía de Todos-os-Santos.

O episódio aconteceu há 266 anos. Mas, esta semana, o temor de que algo assim acontecesse por aqui voltou às discussões após a notícia de que o vulcão Cumbre Vieja, nas Ilhas Canárias, costa africana, corre o risco de entrar em erupção, provocando um tsunami capaz de atingir a costa brasileira, sobretudo as praias do Nordeste - e da Bahia. O temor, na verdade, já existe há 20 anos, mas a possibilidade voltou a ser discutida diante da intensa atividade sísmica por lá. Embora real, ela é remota.

Uma nota técnica emitida por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (Ufba), da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e do Núcleo Bahia/Sergipe da Sociedade Brasileira de Geologia explica que apenas a erupção do Cumbre Vieja não seria suficiente para provocar um tsunami aqui. Seria preciso que parte da ilha onde fica o vulcão se deslocasse para dentro do oceano, provocando um grande deslizamento e um abalo que repercutisse na América. Em outras palavras, seria necessário um deslizamento muito significativo para que Salvador sinta, novamente, os reflexos de uma atividade sísmica do outro lado do oceano.

Por aqui, há 266, os sinais de que algo não estava normal chegaram pela região da Boa Viagem.

"A primeira onda teria chegado silenciosa, sem violência, como se fosse uma enchente penetrando terra adentro. Porém, as seguintes foram ainda maiores e mais fortes", conta José Alberto Veloso, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), considerado um dos maiores estudiosos de tsunamis e eventos tectônicos no Brasil.

O especialista estima que o tsunami atingiu, ao menos, três metros de altura. Aqui vale um parêntese para explicar que a grande força dessas ondas gigantes não é a altura, mas sim a profundidade.

O Havaí, por exemplo, possui ondas que chegam aos 20 metros, mas não causam nenhum estrago, pois elas logo se dissipam. No caso do tsunami, a força deles é tanta que acabam penetrando o continente em grande velocidade, destruindo construções e alagando as ruas. Um tsunami de menos de um metro, por exemplo, já seria capaz de causar grandes estragos no Porto da Barra.

Cruzeiro - Pouco se sabe sobre os reais impactos daquele tsunami em Salvador. A principal informação é de que a cruz que fica em frente à Igreja da Boa Viagem, na Cidade Baixa, ficou parcialmente coberta pela água. A cruz está a 50 metros do mar e, ao menos, a dois metros acima do nível das águas. Toda aquela região da Cidade Baixa teria ficado alagada, afirma o pesquisador.

Ele recorre a uma carta escrita pelo arcebispo no dia 12 de maio de 1756, ao secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte-Real, na qual afirma que o Vice-Rei Conde dos Arcos havia acabado de chegar a Salvador.

Na mesma carta, ele faz um breve comentário sobre os efeitos na América do “horroroso terremoto” que atingiu Lisboa.

"Houvera alteração nos mares e chegaram a suas águas chegaram onde nunca se viram, como fora ao Cruzeiro da Boa Viagem, etc.", disse o religioso.

"A modificação no comportamento das águas provavelmente assustou os moradores da cidade, que tinha 65 mil habitantes na época, que não souberam descobrir o motivo da alteração das águas na Baía de Todos-os-Santos. No entanto, não há registros de mortes ou acidentes em decorrência da onda gigante", narra o professor.

De acordo com o relato do arcebispo, não foi só Salvador que sentiu as ondas gigantes. Ele também comenta o que se registrou em Pernambuco e no Rio de Janeiro.

“O mesmo se conta por certo sucedera no Bispado de Pernambuco, onde se diz (que) levara algumas senzalas dos pescadores. Do Rio se publica o mesmo e que em certas praias se ouvia um grande ronco, que dera o mar, de que os animais espantados fugiram sem parar até o mais alto dos montes”, finaliza a carta.

Festa dos pescadores - Outro caso documentado de onda gigante atingindo a Baía de Todos-os-Santos data de 1666. Em outubro do ano passado, o CORREIO publicou que há dados desse episódio registrados no Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), mas que não há detalhes. Por isso, não dá para afirmar que ele tenha tido alguma relação com tremores de terra, nem que tenha, de fato, acontecido.

Em 1916, o engenheiro e historiador baiano Theodoro Sampaio atribuiu relatos de que moradores de Salvador viram o mar crescendo por "três vezes em três dias alternados" naquele ano de 1666. As águas do mar teriam ultrapassaram os limites naturais e invadido as ruas e praças da cidade. Com ela, vieram muitos peixes, que acabaram em terra firme quando o mar recuou.

Com essa fartura, os pescadores correram para recolher os peixes que estavam em terra firme. Para Theodoro Sampaio, esse episódio seria atribuído a um terremoto submarino ocorrido em algum lugar no Atlântico.

No entanto, o professor José Alberto Veloso discorda desta teoria. Ele argumenta que terremotos submarinos no Atlântico, principalmente na costa brasileira, são raros. E, como este avanço da maré ocorreu por três dias seguidos, teriam que ter três maremotos de grande magnitude. "As chances disso são quase nulas", defende o pesquisador.

No relato apresentado por Theodoro Sampaio, contudo, não há referência a fortes tempestades, o que justificaria uma eventual ressaca do mar. Uma outra possível causa seria uma erupção vulcânica, mas não há dados que corroborem essa informação.

Por essa falta de informações sobre as causas das ondas gigantes e do avanço da maré, esse episódio não pode ser cravado como tsunami, na visão do professor José Alberto.

'Tsunamizinho' - Em 1919, nos dias 9 e 22 de novembro, Salvador e as cidades do Recôncavo passaram por uma das maiores tragédias naturais da história por conta de um forte enxame sísmico que atingiu a região. Moradores tiveram que abandonar suas casas, que racharam e até desabaram em alguns casos.

Correio Paulistano (SP) relatou tremores na Bahia (Imagem: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional).

O epicentro deste tremor foi a Baía de Todos-os-Santos. Com isso, as águas se agitaram.

"Os peixes começaram a pular dentro do mar, como se tivessem sido tocados por um fluido elétrico submarino", narrou Theodoro Sampaio.

Apesar disso, não foram registradas ondas gigantes chegando à costa. As águas rasas se balançaram como se a baía transformasse numa bacia com alguém ninando-a.

"Se correto, as anomalias registradas e observadas por Sampaio refletiriam a ocorrência de um 'seiche', um tipo de onda estacionária com movimento de vaivém, sobre uma superfície líquida quase fechada, como o caso em questão. Esse fenômeno costuma ser testemunhado após grandes terremotos, principalmente quando águas de piscinas, situadas a centenas de quilômetros do epicentro, são atiradas fora de seu recipiente", teoriza o professor da UnB.

 

Fonte: Jornal Correio*

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