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Exigência de governo brasileiro emperra venda de vacina, diz Pfizer

Exigência de governo brasileiro emperra venda de vacina, diz Pfizer

23/02/2021 às 10h58 Atualizada em 23/02/2021 às 13h58
Por: Redação
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Informação foi dada por representantes da empresa, que segue em negociações com o Planalto, em conversa com senadores; apenas Brasil, Venezuela e Argentina não teriam aceito cláusula de contrato.

A Pfizer informou na manhã desta segunda-feira a senadores que mantém como condicionante para a venda da vacina contra a Covid-19 produzida pela farmacêutica ao Brasil uma cláusula garantindo a responsabilização da União por eventuais efeitos adversos do imunizante. No último dia 6, a empresa pediu o registro definitivo da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

De acordo com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a exigência foi reforçada durante conversa de representantes da empresa no Brasil com ele e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em um cenário marcado pela escassez mundial de imunizantes contra a Covid-19, os congressistas têm se mobilizado para viabilizar o acordo por meio de mudanças no Legislativo.

O senador Rodrigues destacou que apresentou uma emenda que contempla o teor da cláusula na Medida Provisória em tramitação na Câmara sobre medidas excepcionais para a aquisição de vacinas e insumos no país.

— A ideia da reunião foi a de debater os entraves para a incorporação de novas vacinas no território nacional. Nós temos uma circunstância hoje, a MP 1026, em que apresentamos uma emenda pela qual a União passa a assumir a responsabilidade civil pela vacina. Essa cláusula é uma exigência contratual e tanto a Pfizer quanto a Janssen deixaram claro que precisam desse dispositivo — disse Randolfe.

A vacina da Janssen, braço da Johnson & Johnson, é especialmente atrativa por ser de dose única, com resultados de eficácia global de 66% apresentados no fim de janeiro. E a da Pfizer, desenvolvida em parceria com o laboratório alemão BioNTech, apresentou mais de 90% de eficácia nas análises preliminares dos testes da fase 3.

A emenda apresentada pelo senador determina que a União seja responsável por "eventuais efeitos adversos decorrentes das vacinas":

"Fica a União autorizada a assumir riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19 celebrado pelo Poder Executivo Federal, sobre eventuais efeitos adversos decorrentes das vacinas contra a Covid-19, desde que a Anvisa tenha concedido o registro ou autorizado o uso emergencial e temporário", diz o trecho.

A previsão na emenda estava na Medida Provisória editada em janeiro para a aquisição de vacinas, mas acabou retirada do texto final pelo governo. A exigência foi justamente um dos principais entraves na negociação entre a farmacêutica americana e o Brasil e foi criticada em diferentes ocasiões pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em nota divulgada no fim de janeiro, a pasta argumentou que a compra do imunizante da Pfizer causaria "frustração" entre brasileiros porque o laboratório teria oferecido "poucas doses". As exigências contratuais foram definidas como "leoninas e abusivas" pelo ministério. A gigante farmacêutica chegou a oferecer 70 milhões de doses ao Brasil.

No encontro, o parlamentar da Rede contou que o presidente da Pfizer no Brasil voltou a afirmar que a Pfizer iniciou conversas com o Brasil em junho. De acordo com ele, a vacina está sendo aplicada em 69 países e todos eles aceitaram a cláusula. As exceções são Brasil, Argentina e Venezuela.

O senador Randolfe Rodrigues disse, ainda, que Rodrigo Pacheco vai procurar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ainda hoje, para tratar do assunto. Segundo o senador, a intenção é "estabelecer um diálogo" com o governo federal para garantir a compra de imunizantes contra o novo coronavírus. Ele afirmou ainda que o Brasil passa por um "apagão de vacinas" no momento.

Contexto - No domingo, o Ministério da Saúde divulgou nota informando que pediu à Casa Civil orientação sobre como encaminhar a negociação com a Pfizer e a Janssen. Segundo a pasta, a expectativa é que a Casa Civil encaminhe manifestação sobre o tema até sexta-feira. O ministério alegou que a "falta de flexibilidade das empresas" estaria travando a negociação.

Embora o Ministério da Saúde, ao passar o bastão ao Planalto, tenha justificado "limitações jurídicas" para seguir com a negociação com a Pfizer, documentos mostram que o próprio governo contrariou parecer jurídico interno e excluiu de uma Medida Provisória trecho que solucionava a questão.

Em uma versão anterior da MP 1026, que foi publicada em janeiro e deve ser votada em breve, o texto previa que o governo se responsabilizasse por eventuais eventos adversos causados pela vacina. A redação permitia inclusive a contratação de seguro privado para cobrir os riscos, mas foi excluída do texto final.

Um parecer da Consultoria Jurídica da Controladoria Geral da União, enviado em 23 de dezembro para embasar a MP, afirmava que a cláusula relacionada à responsabilização da União pelos riscos da vacina era de "induvidosa constitucionalidade", contrariando a alegação recente do Ministério da Saúde de que haveria "limitações jurídicas" para seguir com a negociação.

Desde dezembro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tem feito críticas públicas à Pfizer por conta das cláusulas impostas pela farmacêutica para a compra de vacinas. Na época, Pazuello afirmou em tom de indignação que a Pfizer exigi  isenção de responsabilidade em relação a possíveis efeitos colaterais da vacina contra a Covid-19, entre outros pontos sensíveis.

Em janeiro, uma nota divulgada pela pasta afirmava que as exigências impostas pela farmacêutica eram “leoninas e abusivas”. O ministério dizia ainda que o número de doses oferecidas ao Brasil era insuficiente.  A previsão da empresa na época era fornecer dois milhões de doses no primeiro trimestre de 2021. O governo chegou a firmar um memorando de entendimento, passo anterior à assinatura do contrato, com a Pfizer para a aquisição de 70 milhões de doses.

Atualmente, o pedido de registro da vacina da Pfizer é analisado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com a agência, até ontem, 70% da documentação enviada já havia sido analisada pela Anvisa. A expectativa é que em breve o órgão se posicione sobre a concessão ou não do registro definitivo do imunizante. Caso a Anvisa conceda o registro, a vacina da Pfizer poderá ser aplicada amplamente na população e comercializada.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde sobre as movimentações no Congresso para viabilizar a aquisição da vacina da Pfizer, mas até o momento não obteve resposta.

Advogados interpretam a cláusula - Advogados especializados em direito sanitário e em direito em saúde interpretam a cláusula de maneira diferente.

Para a advogada Maria Luísa Correia, especialista em saúde e professora convidada da FGV dos cursos de MBA em saúde, a responsabilidade de cuidar da saúde da população é compartilhada entre a União, estado e municípios e também com as demais empresas envolvidas na área da saúde, como as farmacêuticas. Além do mais, a garantia à saúde está prescrita na Constituição Federal. Ela também ressalta que o Código de Defesa do Consumidor afirma que o fornecedor responde pela reparação de danos causados ao consumidor, independentemente da existência de culpa.

— Esta cláusula, ainda que ela conste do contrato, não pode contrariar a lei brasileira. Se a gente levar em conta que a fabricante diz que, se não assinar o contrato, ela não entrega o produto, podemos alegar que o governo está sendo coagido a, num momento emergencial, assinar um contrato — afirma Correia.

A advogada Caroline dos Santos, doutora em biotecnologia e biodiversidade, afirma que, pelo fato de as indústrias farmacêuticas, principalmente as multinacionais, terem um poder tecnológico grande, elas tendem a fazer com que os países em desenvolvimento assumam alguma parcela da responsabilidade. Alguns países, como Índia e China, não aceitam este tipo de cláusula. Por isso vai de cada país aceitar ou não.

— Na minha opinião, esta é uma cláusula abusiva porque a União vai comprar a vacina acreditando nos estudos científicos que foram apresentados à Anvisa. O Brasil não pode ser responsabilizado, principalmente a nível de indenização, por um produto que foi elaborado por uma indústria farmacêutica. Agora, se o estudo entregue na Anvisa claramente apresenta erros técnicos e não corresponde ao que o Brasil autoriza para ser utilizado e é aprovado, aí sim a União deverá ser responsabilizada — pondera Santos.

O GLOBO questionou o Instituto Butantã e a Fiocruz sobre a existência de uma cláusula semelhante em seus contratos de aquisição de vacinas contra a Covid-19.

O Butantã disse que o contrato com a Sinovac é sigiloso. No entanto, eles afirmaram ter um setor de farmacovigilância para acompanhar qualquer efeito adverso que possa estar relacionado a produtos produzidos por eles.

Já a Fiocruz disse que qualquer responsabilidade relativa ao uso ou administração da vacina é do detentor do registro, que no caso será BioManguinhos. E ressaltou que isso não é uma exigência da AstraZeneca, mas da legislação brasileira.

 

Fonte: Jornal O Globo

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