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'Falta ao governo um administrador da crise', diz presidente do Itaú

'Falta ao governo um administrador da crise', diz presidente do Itaú

28/03/2020 às 10h35 Atualizada em 28/03/2020 às 13h35
Por: Redação
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Foto: Reprodução
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Para Cândido Bracher, quarentena é necessária para enfrentar a pandemia. Ele defende mais gasto público no momento.

Cândido Bracher acredita que o governo terá que gastar mais para suavizar os efeitos da crise gerada pela pandemia do coronavírus. Desde 2017 na cadeira de presidente do Itaú Unibanco, o maior banco privado do país, o administrador reconhece que as medidas adotadas até o momento são insuficientes para enfrentar um cenário de paralisação da atividade econômica. Para ele, falta ao governo Bolsonaro um administrador da crise, papel exercido por Pedro Parente em 2001, durante a crise do apagão.

O Banco Central adotou medidas para aumentar a liquidez do sistema. Elas são suficientes? - Não. São medidas na direção correta, que suprem o mercado de liquidez, mas a liquidez é só uma parte do trabalho. É fundamental, mas não é suficiente. O Banco Central está fazendo um trabalho muito bom, mas não podemos esperar que cumpram o papel de outras medidas.

O governo anunciou suspensão de contratos de trabalho e depois voltou atrás. Como avalia as medidas tomadas até agora? - O governo tem pouco mais de um ano. Natural que haja alguma bateção de cabeça. Não pode é isso perdurar por muito tempo. É preciso uma coordenação grande. Não pode delegar o problema nem para o ministro da Saúde nem para o da Economia. Sinto falta de um administrador da crise, de alguém que coordene todos os esforços do governo e possa administrar o arsenal variado de medidas para combater a crise. Como um Pedro Parente na gestão do apagão. Falta delegar a uma pessoa assim. Alguém que assuma a gestão nas suas multidisciplinaridades.

Quem seria esse administrador? Um ministro ou o Presidente? - Alguém com experiência em gestão de crise. Perfil mais tecno-burocrático do que um político tradicional.

No que essa crise difere do que vivemos em 2008? - Diferentemente da crise de 2008, essa não é uma crise estritamente financeira. Ela tem consequências financeiras, aspectos financeiros, mas é uma crise de produção. Não é por acaso que você equipara a uma guerra. Você tem uma interrupção súbita e radical de praticamente todas as cadeias de produção. Você não corrige apenas com liquidez. Você precisa de medidas contracíclicas fiscais. As empresas vão precisar refinanciar e alongar dívidas, mas ela também precisa de novos recursos para pagar folha, água e luz. Para isso é preciso que haja crédito adicional.

O governo tem como arcar com tamanha despesa? O decreto de calamidade ajuda? - A calamidade permite que seja feita. Não tenho dúvida que o governo tem possibilidade e capacidade para fazer isso. Países desenvolvidos estão fazendo isso. São mais ricos, então estão fazendo com ajudas muito maiores. Estamos com a dívida pública em torno de 70% do PIB e ela crescerá. É inexorável. Depois da crise teremos um país com um endividamento público maior. E serão necessárias medidas como mais impostos, economias em outros setores. Enfim, o que se faz depois de uma crise.

Quais as prioridades em termos de medidas contracíclicas? - O governo pode entrar gastando mais: colocando mais dinheiro nas mãos da população para que não haja descontinuidade de consumo do básico. Dar uma quantia por mês para os autônomos e isso pode ser feito pelos canais de distribuição que o governo tem. Também pode investir mais em saúde e equipamentos hospitalares e atendendo populações mais carentes de maneira geral. E pode dar crédito para o resto da economia. Acho que deve haver um financiamento da folha das empresas.

E a ajuda para pagamento de salários, com o governo cobrindo uma parte, como anunciado? - Tendo a pensar de maneira mais simples. Se você financia a folha e a empresa tiver prazo longo para pagar depois, a gente atravessa essa crise. Financia por três anos após o fim da crise, com alguma carência.

Tudo isso sem alterar a regra do teto de gastos? - As medidas contracíclicas são extra teto. Cria um parênteses para as despesas específicas para lidar com a crise. Extra-orçamentária. Vínhamos falando em austeridade, equilíbrio, para infundir confiança nos agentes econômicos. Isso vinha funcionando bem, permitido queda nos juros. Agora, como disse (John Maynard) Keynes, quando mudam os fatos, eu mudo de opinião. Fatos mudaram de maneira radical. Momento de você ser mais flexível com o uso de verbas públicas, pontualmente.

A pergunta de 1 trilhão de dólares: quanto tempo o sr. acha que vai durar essa crise? - Isso depende de dois fatores essenciais: a intensidade e eficácia de políticas fiscais e contracíclicas que o governo venha fazer. E o tempo de duração da pandemia. Aqui não temos uma resposta precisa. Quanto mais longo for o isolamento das pessoas e portanto a paralisia da economia, mais você terá que investir e mais tempo vamos demorar pra sair da crise. Aqui é a discussão que a gente está assistindo em várias partes do mundo. A doença mata, e o desemprego mata também. Naturalmente, se pensar apenas do ponto de vista de saúde, deveria ser conveniente para todo mundo ficar quatro meses em casa. Se pensar apenas do ponto de vista das consequências econômicas, você deveria dizer pra ninguém ficar em casa, todo mundo continuar trabalhando, e você arcar com um ou dois por cento de mortes. Não dá pra fazer uma coisa nem outra. Quão cedo vai dar para a economia voltar a funcionar com um custo médico aceitável? É uma resposta que nem os médicos nem os economistas têm.

Você entende como acertada a quarentena? - Entendo que ela é necessária sim. Naturalmente sou administrador de empresa. Não sou nem economista nem médico. A pergunta é por quanto tempo.

Já tem algum palpite? - Estou acompanhando com grande interesse a discussão que está acontecendo nos EUA e acho que temos que começar a fazer aqui também. Tenho impressão que se for daqui a três meses, o estrago econômico será tão grande que sairá mais cara a cura do que a doença. Mas essa é uma análise complexa, difícil, com aspectos éticos e delicados. Você está comparando vidas à vista com vidas a prazo, pois o desemprego custa muitas vidas também.

Existe um movimento em defesa da renda básica para as populações mais vulneráveis, autônomos, desempregados. Essa é uma saída? - É uma saída importante. E tem também que cuidar das empresas pra elas continuarem pagando a folha de pagamento. Crises acentuam a desigualdade. É papel do governo atuar para mitigar esses efeitos.

Como o sr. vê as medidas que outros países estão adotando para mitigar os efeitos da crise econômica? - Os discursos de Emmanuel Macron (presidente da França), Angela Merkel (chanceler alemã) e Boris Johnson (primeiro-ministro britânico) vão no sentido de que temos que fazer o que for necessário. Na França, Macron diz que nenhuma empresa irá a falência. São Estados mais ricos e que estão até mais endividados que o Brasil, com uma tradição maior no uso de políticas fiscais e eventualmente com população mais bem atendida, mas que estão declarando que farão um esforço fiscal muito grande. Acho que devemos fazer também. Guardadas as proporções.

Vocês anunciaram a rolagem de dívidas por 60 dias. Tem mais alguma medida para anunciar? - A gente está em modo crise. As medidas vão surgindo na medida em que são necessárias. Além da rolagem da dívida para os clientes, temos medidas para manter agência aberta. Colocamos 40 mil colaboradores em home office. Decidimos suspender demissões enquanto durar a crise. Estamos comprando novos laptops pra poder colocar todo mundo em casa. A evolução da crise é que ditará as medidas.

E do banco pra fora? O que o Itaú está fazendo para mitigar os efeitos da crise? - Posso anunciar que faremos uma doação de R$ 150 milhões por meio dos nossos dois institutos (Fundação Itaú para Educação e Cultura e Instituto Unibanco) para a compra de equipamentos médicos como respiradores, além de cestas básicas e kits de higiene para apoiar as comunidades mais vulneráveis. Estamos vivendo um momento que se exige a solidariedade das pessoas.

As pessoas vão sair dessa crise mais digitalizadas, fazendo tudo de forma remota. O que vai acontecer com os bancos? Mais agências fechando? - Já vimos isso acontecer nas greves. Toda vez que teve greve com fechamento de agência, tem incremento na quantidade de usuários digitais. Não tenho dúvida que isso vai ser catalisador do processo de digitalização.

Como está a sua rotina trabalhando de casa? - Está funcionando muito bem tecnicamente. A gente tem o dia totalmente ocupado e trabalha mais. Mas você está em um ambiente agradável, almoça em casa, uma experiência raríssima. Faço psicanálise de manhã. Tenho feito pelo telefone e tem funcionado super bem. Não sei se quando acabar a quarentena vou voltar a ir fisicamente ao consultório.

 

Fonte: Jornal O Globo

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