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Pai de ator da peça A Bofetada morre com sintomas do coronavírus

Pai de ator da peça A Bofetada morre com sintomas do coronavírus

26/04/2020 às 20h50 Atualizada em 26/04/2020 às 23h50
Por: Redação
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Foto: Reprodução
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Marcus Peixoto tinha 57 anos e era pai de Marcos Barreto, que dá vida à crítica de teatro Vânia Leão; ele estava em abrigo no interior.

"Sem direito a velório. Sem flores. Sem abraços. Sem palavras de conforto. Sem música que acalma. Sem reencontros. Sem adeus. A Covid levou tudo isso de nós". Assim o ator baiano Marcos Barretto, do espetáculo A Bofetada, abriu um dos textos que fez em homenagem a seu pai, em sua rede social.

Marcus Antônio da Silva Peixoto, 57 anos, faleceu na noite da última terça-feira (21), num abrigo de Santa Cruz Cabrália, com sintomas do novo coronavírus. Segundo seu filho, era um homem de sorriso fácil e coração gigante, que deixou como legado na Terra muito mais do que um filho talentoso herdando o seu nome - o que já seria muito, por sinal. Ao se encontrar com seu descanso mais profundo, o aposentado também se tornou um símbolo para todos aqueles que perderam amigos, amigas e familiares para o coronavírus.

"Meu pai foi diagnosticado com um processo de demência e, por isso, vivia num abrigo que é perto da casa da minha tia e sua irmã, em Cabrália", explicou o ator. A doença é cruel até depois de levar o último sopro de vida das suas vítimas. O relato de Marcos, o filho, deixa isso nítido. Cada palavra ali escrita é dilacerante para o coração - leia o texto completo no final da notícia. Uma dor que só aumenta ao perceber que sequer é possível dar um abraço em alguém que está sofrendo tanto.

O ator é um profissional das emoções. Está pronto para sorrir, chorar, amar e odiar conforme o roteiro. Mais ainda: está pronto para transmitir as infinitas maneiras de fazer tudo isso de acordo com sua personagem da vez. Sorrisos largos, tímidos, cativantes? Ele está pronto para isso. Amores pujantes, loucos, planejados? Também.

Contudo, ao perder sua figura paterna, Marcos se viu dando adeus a quem te dava ânimo para fazer tudo isso até em dias de mau humor. "E de cantar pra mim toda vez que eu acordava mesmo de mau humor: 'abri a porta. Apareci. A mais bonita sorri pra mim'. Eu não tinha como não sorrir pra você, meu pai", escreveu Marcos em sua rede social.

A música Abri a Porta, d'A Cor do Som é uma composição de Dominguinhos e Gilberto Gil lançada em 1994. Dois artistas complexos, que já escreveram canções de versos gigantescos - mas que também dominam a arte de ser simples. Abri a Porta tem apenas duas estrofes e 12 versos compostos de palavras corriqueiras e fáceis. No momento da dor, no entanto, nada como a simplicidade para trazer um afago. O que conforta Marcos neste momento é saber que "o bom da vida vai prosseguir".

"Abri a porta. Apareci. A mais bonita sorriu pra mim. Naquele instante me convenci. O bom da vida vai prosseguir. Vai prosseguir, vai dar pra lá do céu azul. Onde eu não sei, lá onde a lei seja o amor. E usufruir do bem, do bom e do melhor seja comum. Pra qualquer um, seja quem for", letra completa de Abri a Porta.

Solidão - Marcos Barretto, que não mora em Santa Cruz Cabrália, relatou que não pôde dar o último adeus ao seu pai. O mesmo aconteceu com seu irmão, Max Peixoto, que hoje mora na Rússia junto à esposa e filho. De doído a amargo e dilacerador, não faltam adjetivos para descrever o luto do artista. A grande sorte, segundo Marcos, é a presença do marido, o produtor George Vladimir.

“Tudo aconteceu em apenas cinco dias. Na sexta surgiram os sintomas de um simples resfriado, no sábado evoluiu para uma aparente gripe. Com o aumento da dificuldade de respirar entre domingo e segunda, a irmã dele ligou para o SAMU, e a recomendação foi de que continuasse lá em observação e que, caso piorasse, ligasse novamente, mas na terça ele piorou muito rápido, e não foi mais possível o SAMU buscar”, relatou Vladmir para o CORREIO.

No momento, a causa no atestado de óbito é insuficiência respiratória, mas a família acredita que pode ter sido o coronavírus, devido aos sintomas característicos e do avanço rápido da doença. “Os exames foram feitos pós-morte, mas os resultados finais ainda não saíram. Por amizade, conseguimos pedir ao poder público municipal que solicitasse os exames pois, a princípio, eles nem seriam feitos”, denunciou Vladmir.

Marcus foi sepultado ainda na madrugada de terça para quarta-feira, sem direito a velório. O Instituto Médico Legal (IML) pressionou a família para que o sepultamento fosse rapidamente realizado, devido ao risco de ser Covid-19. “Só duas pessoas puderam acompanhar o sepultamento, mesmo assim à distância. No local reservado para os casos de coronavírus não tem nem luz elétrica e não podiam esperar amanhecer. A irmã dele e o marido dela iluminaram de longe, com a lanterna dos celulares”, disse Vladmir.

A não possibilidade de ser feita as devidas despedidas atenuou a dor da família. “Essa foi a sensação mais louca que eu vivi na minha vida até hoje. A forma como tudo aconteceu e a pandemia que estamos vivenciado torna mais doloroso”, disse o ator Marcos Barretto.

“É muito difícil não poder passar pelos ritos que, quando nada, ajudam a aceitarmos os fatos. Eu e Marcos não pudemos ir, pois com rodoviária e aeroporto fechados, só nos restava ir de carro, mas levaríamos mais de oito horas para chegar. Não daria tempo”, lamentou George Vladimir.

A reportagem procurou o abrigo em que Marcus Peixoto estava e a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Questionamos se o procedimento adotado pelo SAMU foi correto, mas não obtivemos retorno até o momento.

Marcos Barreto é o ator que atualmente dá vida à crítica de teatro Vânia Leão, na peça A Bofetada, que estava em cartaz no Teatro ISBA quando teve que ser cancelada devido à pandemia causada pelo novo coronavírus.

 

Fonte: Jornal Correio*

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