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Trabalho voluntário: Enfermeira indígena rastreia casos de Coronavírus em tribos de Manaus

Trabalho voluntário: Enfermeira indígena rastreia casos de Coronavírus em tribos de Manaus

12/05/2020 às 15h43 Atualizada em 12/05/2020 às 18h43
Por: Redação
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Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Vanderlecia dos Santos atende diariamente aos moradores de Parque das Tribos, na periferia da capital amazonense, e arrecada doações para ajudá-los durante a pandemia

Todos os dias quem mora na comunidade indígena Parque das Tribos, na periferia de Manaus, se depara logo cedo com a mesma cena desde que a pandemia do coronavírus começou no Brasil em março. A técnica de enfermagem Vanderlecia Ortega dos Santos, de 32 anos, - ou só Vanda para os conhecidos - percorre, a partir das 7 h, as casas locais para atender, como única voluntária, os cerca de 2.500 moradores.

As visitas em domicílio acontecem sempre pela manhã. Em média, são quatro por dia durante a semana. Isso porque Vanda, residente da comunidade, as concilia com o trabalho à tarde na Fundação Alfredo da Matta (FUAM), instituição vinculada à Secretaria de Saúde do Amazonas que atua no tratamento de hanseníase, dermatoses e doenças sexualmente transmissíveis. Às vezes, ainda atende pacientes à noite, mas não é comum devido à falta de iluminação em Parque das Tribos.

"Por causa da falta de assistência aqui na comunidade, me disponibilizei para fazer a administração e orientação de medicamentos. É o que me compete fazer. Fui correndo atrás de remédios, busquei ajuda e estou tentando fazer o que posso", disse Vanda a ÉPOCA.

Vanda nasceu no município de Amaturá, na região do Alto Solimões, onde mais de 40% da população local é indígena. Ela, inclusive, pertence à etnia Witoto. Aos 16 anos, mudou-se para Manaus e começou a trabalhar como doméstica para se manter. Em 2012, concluiu o curso técnico de enfermagem. Quatro anos depois, ela ingressou na Universidade do Estado do Amazonas, onde está prestes a se formar em Pedagogia.

Nem nos fins de semana há descanso: além dos atendimentos, ela e mais 15 mulheres distribuem as doações de alimentos e materiais de higiene que recebem para auxiliar as 700 famílias, descendentes de 35 etnias indígenas, que vivem na comunidade. Como o artesanato é a principal fonte de renda dos moradores, muitos estão passando dificuldades desde que o governo amazonense decretou, no fim de março, a suspensão de serviços não essenciais.

Faltam comida, eletricidade e água e esgoto tratados. A unidade de saúde mais próxima fica a mais ou menos 3,5 km e houve casos em que a ambulância sequer foi até a comunidade situada às margens do rio Tarumã-Açu para atender chamados. Segundo Vanda, o que ocorrem são ações esporádicas como campanhas de vacinação.

Até a publicação da reportagem, a prefeitura de Manaus não se manifestou.

Com o avanço do coronavírus, as vulnerabilidades ficaram ainda mais visíveis, o que levou a técnica de enfermagem a organizar uma campanha de arrecadação nas redes sociais. Até os equipamentos de proteção que ela usa durante os atendimentos foram doados. Vanda tem se vestido com um avental fino, uma toca, máscara, luvas e um protetor facial, que ganhou de uma conhecida. Os chinelos, por sua vez, denunciam a paramentação precária.

Ainda em março, no início da pandemia, a técnica em enfermagem ficou 14 dias isolada em casa após apresentar febre, dor de cabeça e falta de paladar. Ela não fez o teste para Covid-19. Outros cinco indígenas da comunidade tiveram dificuldades respiratórias e foram encaminhados a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) - dois deles deram entrada com protocolo de coronavírus, mas não fizeram o teste e continuaram o tratamento em casa.

De acordo com Vanda, há 40 casos suspeitos em monitoramento na comunidade. Todos estão sendo medicados em casa com analgésicos e ervas medicinais, como o jambu. Mas acompanhar cada um tem sido um desafio para a técnica de enfermagem diante da dificuldade de comunicação. Boa parte dos moradores não tem celular ou internet.

"Como não tenho condições de fazer essas visitas a todo mundo, porque a comunidade é grande, todas as nossas orientações são via Whatsapp, como usar a máscara, lavar as mãos e respeitar o isolamento", conta Vanda. "É um pouco complicado manter o pessoal em isolamento na comunidade por conta de aspectos culturais e de estrutura. As casas são de madeira, geralmente só de um cômodo, e os indígenas costumam dormir em redes", acrescenta.

Até este dia 11, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) registrou 183 casos confirmados de Covid-19 e 16 óbitos entre a população indígena. Dados levantados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) apontam outros 44 óbitos e 29 casos a mais.

Segundo Vanda, tem ocorrido uma sub-notificação de casos porque a Sesai não tem acompanhado as comunidades urbanas e muitos indígenas não estão fazendo testes. Questionada por ÉPOCA, a Sesai não respondeu até esta publicação.

Vanda, 32, nasceu em Amaturá (AM) e é descendente da etnia Witoto.

Foto: Arquivo pessoal

 

Fonte: Revista Época

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